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Onça lutava há mais de 10 anos contra Mal de Alzheimer

Publicado em 07/09/2017 ás 13:00:02

 


Divulgação 

Onça passou os últimos anos aos cuidados da família 

 

Há mais de 10 anos, Mário Felipe Onça disputava a partida mais difícil que jamais imaginara participar: a luta pela sobrevivência por conta do Mal de Alzheimer. Depois de uma carreira vitoriosa dentro de campo encerrada no final dos anos 70, Onça como muitos ex-jogadores seguia no futebol como treinador, porém a doença o afastou dos gramados. 

A doença deu os primeiros sinais quando ele já tinha pendurado as chuteiras. Na época com 60 anos, atuava como técnico em clubes do interior da Bahia. “A vida toda ele jogou bola”, conta a assistente social Carla Muiños, 45, filha do primeiro casamento do ex-atleta. “Meu pai sempre foi muito profissional”.  Estava casado pela terceira vez e tinha uma filha pequena.

A confusão em atividades corriqueiras do trabalho foi um dos primeiros sinais que a família teve de que as coisas não estavam como deveriam. “Começou a ter um comportamento estranho”, explica a filha e cuidadora de Pedreira. No trabalho e em casa, o pai dava indícios de confusão mental. Fazia escalações estranhas nos times que treinava. Saia com o carro e voltava sem. Passou a juntar lixo. “Era muito difícil, ele ainda era dono de si”, conta Carla. Onça, apelido que ganhou ainda na época da escola e que o acompanhou na trajetória esportiva, negava que estivesse perdendo a memória.

Ficou sem trabalho. Não teve como sustentar a família. A esposa, mais jovem do que Onça, voltou com a filha pequena para a casa dos pais. “Entrou em um processo difícil de morar só. A gente começou a tentar trazer ele para cá”, diz Carla, que mora com o marido e os filhos em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador. Acostumado com a independência, Onça resistia às tentativas da família de tirá-lo de Santaluz. Fugia, pedia para voltar. Ao passo em que o Alzheimer progredia, a situação do ex-atleta piorava.“Ele começou com essa coisa de cultuar o corpo”, lembra a filha. Em 2008, depois de muita exposição ao sol em busca de um belo bronzeado, Onça desenvolveu um câncer de pele no braço. Para ele, não passava de uma ferida causada por uma vacina. Tirá-lo do interior para cuidar propriamente da doença não foi simples. “Para conseguir segurar ele aqui foi muito difícil”, conta Carla sobre a recuperação do pai após a retirada do câncer finalmente acontecer.

 

Poucas pessoas ainda o procuravam. Na cabeceira da cama, uma foto emoldurada de um de seus encontros com Pelé. 

 

COMPLICAÇÔES

Em 2010, a família percebeu que já não era mais possível que o ex-jogador continuasse a morar sozinho no interior. “Inicialmente, ele foi para uma casa de idosos, porque é muito difícil para a gente lidar com essa situação”. Mas a ideia de deixar o pai aos cuidados de outros não agradava a Carla. “Uma vez eu cheguei lá e ele estava com oito roupas”, relembra.

Trazer o pai definitivamente para casa fez com que a filha precisasse modificar tanto a rotina quanto a própria casa. “A carga maior é para mim”, afirma a cuidadora, que não recebe muita ajuda por parte dos seis irmãos. “Você tem que abrir mão de muitas coisas quando acontece uma situação dessas. É um ser humano que precisa de ajuda, que está totalmente dependente de alguém”.

Pouco depois de chegar na casa da filha, Onça precisou fazer uma cirurgia de vesícula. Ficou no Hospital Português, na Barra, onde pegou uma infecção hospitalar. “Eu pensei que ele não fosse mais voltar para casa”, diz Carla. A complicação fez com que o ex-jogador ficasse 52 dias em coma. “Os médicos deram um diagnóstico de que ele não ia resistir”, ressalta David Félix, 58, genro de Onça. Ao todo, foram 68 dias de internação. Quando voltou para casa, o quadro do idoso ficou mais severo.

Aos poucos, parou de falar. Parou de andar. Repousava, há seis anos, em uma cama no primeiro andar da casa, monitorado por uma babá eletrônica. Com as mãos atrofiadas, ele dependia da família para colocá-lo na cadeira de banho. Usava quase um pacote de fraldas geriátricas por dia. Vez ou outra, solta um grunhido. Água e comida, batida no liquidificador, eram reguladas por horário. No quarto iluminado, em tons de bege, passava seus dias assistindo ao canal de esportes, ao mesmo tempo em que morde a língua – mania que mantinha, apesar do avançado estágio de Mal de Alzheimer, desde os tempos de jogador de futebol.

“Até hoje ainda existe muita pesquisa, mas não uma explicação”, lamenta Carla. Aceitar a doença do pai foi desgastante. Muito ligada à figura paterna, a assistente social, que nasceu no Rio de Janeiro quando Onça integrava o elenco do Flamengo, passou por um início de depressão. “O estado terminal do Alzheimer é voltar a ser feto”, opina.

Poucas pessoas ainda o procuravam. Na cabeceira da cama, uma foto emoldurada de um de seus encontros com Pelé. O corpo de Onça será sepultado no final da tarde de hoje em Santaluz